sexta-feira, 24 de junho de 2011

"Patrimônio histórico do Rio está em ruínas"

Igreja de São Joaquim da Grama - Rio Claro - RJ
http://turismovaledocafe.blogspot.com/
"A igreja São Joaquim da Grama, construída em 1809, no município de Rio Claro, e tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC) está desmoronando, abandonada pelo poder público.  A bela e bicentenária igreja foi erguida pelo rei do café no Brasil, comendador Joaquim de Souza Breves, e faz parte de nossa História.  Deveríamos nos preocupar e dar mais valor, na prática, a esses monumentos, e não apenas fazê-los constar de documentos burocráticos."
Sebastião Wagner Berriel

O texto acima foi pulicado hoje (24/06/2011), na coluna Eu-repórter do jornal Extra.  Nele, o leitor Sebastião Wagner Berriel alerta para o descaso ao Patrimônio Histórico da cidade de Rio Claro, na região fluminense conhecida como Vale do Café, em função das antigas fazendas, igrejas e prédios, datados da época em que o local era um dos focos produtores do café brasileiro.  A denominação Vale do Café é comumente utilizada como atrativo turístico para a região.  Entretanto, o que podemos ver é mais um exemplo de desvalorização de prédios que, apesar de tombados, se encontram em ruínas.
Ao refletirmos sobre lamentável situação, denunciada por Sebastião Berriel, não podemos deixar de assinalar a precariedade dos recursos investidos na preservação do Patrimônio Histórico da nossa região.  A Baixada Fluminense tem sua história atrelada ao chamado Vale do Café, na medida em que a produção cafeeira descia a serra e percorria os caminhos terrestres, fluviais e, depois, ferroviários que cortavam essa região.  Aqui, como lá, existe um variado acervo patrimonial que reclama a atenção e a criação de políticas públicas que visem a sua preservação.  Bem perto de nós, a igreja de N.Srª. da Conceição, no centro de Queimados, encontra-se em precário estado de conservação, embora seja também objeto de tombamento pelo INEPAC.  Em seu exterior, paineis pintados recentemente, bem como os refletores instalados em suas paredes, descaracterizam sua arquitetura original.  Lembramos ainda que a mesma igreja já foi parcialmente reconstruída depois de seu teto simplesmente ruir, na década de 1940, vítima de revoltante descaso.  Além dessa igreja, que outros testemunhos do passado podemos identificar na cidade? Será que ainda existem construções preservadas, que ajudem a contar nossa história? Por que será que esses testemunhos do passado são tão raros ou pouco preservados? Precisamos expandir nossa consciência nesse sentido...    





terça-feira, 21 de junho de 2011

Dr. Armando Souto nos presenteia com suas memórias

Dr. Armando: nos recebendo em sua casa, nos brindando
com suas memórias...
"Devo muito a Queimados..."  Com essa frase, Dr. Armando Souto encerrou sua fala, após quase duas horas de entrevista, que nos foi concedida em mais um sábado de outono.  Com a mesma simpatia com que nos abriu as portas de sua casa, Dr. Armando nos permitiu acesso a um território igualmente precioso: suas memórias.  Então, ao abrir as portas de suas memórias, afloraram histórias de uma infância simples, dividida entre um subúrbio carioca e Mesquita, na Baixada Fluminense. 
Em Mesquita, ele chegou aos cinco anos de idade.  Já nessa época, em meio às brincadeiras de criança, despontava a paixão pela Medicina. Foi essa pulsante vocação que acabou por forjar e fortalecer cada vez mais, os laços afetivos entre o Dr. Armando e a Baixada Fluminense, particularmente Queimados.  Mantendo há vários anos, seu consultório no centro de Queimados, Dr. Armando relata que é gratificante quando percebe que já cuidou de várias gerações de uma mesma família, mantendo sempre uma relação muito próxima com os seus pacientes.  Essa relação é tão forte que hoje, mesmo morando no Rio de Janeiro, não se cansa de deslocar-se, quase diariamente, para atender seus pequenos pacientes em Queimados.  Tal dedicação nos surpreende nos dias de hoje e, cada vez mais à vontade diante de nossas perguntas, Dr. Armando vai nos presenteando com mais lembranças de sua trajetória de vida, indissociável à Baixada Fluminense...  
Dr. Armando e sua esposa, Dona Vera:
uma bonita e longeva parceria.
Assim, Dr. Armando nos conta que foi em um baile em Nova Iguaçu, no ano de 1965, que conheceu sua esposa, Dona Vera, sua companheira inseparável ao longo de todos esses anos.  No ano seguinte, ambos ingressavam na universidade: ele, cursando Medicina, e ela, Direito.  O casamento aconteceu em 1970, quando Dr. Armando ainda cursava os últimos períodos do curso.  Eles lembram com notável bom humor, das dificuldades enfrentadas nessa época.  Dr. Armando também lembrou, comovido, do episódio que, durante os anos de faculdade, fê-lo optar pela especialização em Pediatria...  Ao finalmente se formar, Dr. Armando abre seu primeiro consultório em Austin, onde foi morar depois de casado.
Do consultório em Austin, foi nomeado médico do antigo Estado da Guanabara, tendo sido designado para o atendimento pediátrico no Posto Médico de Japeri.  Sobre essa nomeação, Dr. Armando e Dona Vera lembram um episódio curioso: observando o marido formado, mas com as "naturais inquietações de recém formado que, no entanto, não conquista de pronto seu espaço profissional", Dona Vera decidiu ajudar: entrou em contato com o Prof. Joaquim de Freitas, por intermédio da manicure de sua esposa (que atendia também Dona Vera) e pediu uma oportunidade para o marido, recém formado.  O Prof. Joaquim era então, presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e, tempo depois, batia à porta da casa da sogra do Dr. Armando para entregar-lhe sua nomeação, já publicada em Diário Oficial!  Nessa época, os cargos do funcionalismo público não eram preenchidos por meio de concurso, mas sim por indicações.  De tal forma, Dr. Armando passou por um momento que ele considera muito significativo em sua vida, pois atendendo no Posto Médico de Japeri, teve a oportunidade de atender os mais variados casos clínicos: lepra (hanseníase) e tétano neonatal estavam entre as causas mais recorrentes dentre os muitos atendimentos realizados em três dias por semana.  No entanto, o Dr. Armando é enfático ao afirmar que: "foi realmente um momento em que eu senti como um médico pode ser útil! O posto era muito precário (...) pra você ter uma ideia, o médico que atendia lá há dois anos, tinha ficado doente e não estava indo mais lá e pra você ter uma ideia, o banheiro não tinha nem porta..."   Toda essa situação de extrema precariedade de condições se reflete também em outra curiosa observação feita pelo Dr. Armando: profundamente agradecidos pelo tratamento dispensado com tamanha boa vontade, não era raro que pacientes retornassem com "presentes" para o médico.  Entre esses "presentes", Dr. Armando declara ter recebido pencas de bananas, dúzias de ovos e até galinhas!  Tais relatos nos convidam a pensar o quanto a região da Baixada Fluminense foi tratada com descaso ao longo de muito tempo, o que, sem dúvidas, contribuiu para a difusão e a cristalização de uma imagem ligada ao atraso e à violência.
Dr. Armando e Dona Vera mostram fotografias do consultório
em Queimados.
Ainda na década de 1970, segundo o Dr. Armando, a família Souto foi morar em Queimados, na Travessa Marques, em casa onde, até recentemente, funcionou o Conselho Tutelar.  No que tange à saúde pública, ele ressalta que a situação de Queimados era ligeiramente melhor que aquela do distrito vizinho (Japeri), pois havia uma Casa de Saúde em funcionamento.  Em 1973, abriu seu consultório na Avenida Irmãos Guinle, onde começou a atender os pequenos pacientes locais.  Apesar de deixar claro, em vários momentos da entrevista, que as condições dos pacientes que atendia em Queimados eram superiores àquelas de Japeri, a saúde das crianças ainda inspirava grande preocupação.  As queixas mais comuns eram parasitose e desnutrição.  Ele relata, para nosso espanto, que em plena segunda metade do século XX, muitas mães temiam a vacinação de seus filhos!  Além disso, ele e Dona Vera empreenderam verdadeira cruzada de conscientização sobre hábitos básicos de higiene junto à população local, haja vista que a rua em que foram morar não tinha calçamento ou água encanada, sendo bastante irregular a coleta do lixo.
Dr. Armando, em seu escritório, nos
mostra os rascunhos do livro de
crônicas e pensamentos que pretende
lançar em breve.
Quando os filhos começaram a crescer, a família mudou-se para Nova Iguaçu, onde havia, segundo eles, maior infraestrutura para as crianças.  Já na década de 1990, a familia se mudou mais uma vez, agora para o Rio de Janeiro.  Durante todo esse tempo, Dr. Armando continuou atendendo no consultório da Avenida Irmãos Guinle e foi diretor do PAM de Queimados durante muito tempo.  Em fins da década de 1980, sobreveio o movimento emancipacionista e a separação de Queimados de Nova Iguaçu, dando origem a um novo município.  Dr. Armando ve com bons olhos essa emancipação e aponta melhorias realizadas na nova cidade, ainda no primeiro governo, embora faça questão de salientar seu posicionamento apartidário.  Ainda assim, mesmo "escondidinho dentro de Queimados", como ele mesmo disse no decurso da entrevista, Dr. Armando se tornou um exemplo dentro da carreira que abraçou ainda bem jovem: em 1994, recebeu homenagem da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro, como "pai-médico do ano"; posteriormente, foi convidado para fazer parte da diretoria da mesma instituição e, em 2010, foi homenageado "médico do ano".  Ele revela ainda sua surpresa, ao ser procurado por nós para a concessão dessa entrevista... Que nada, Dr. Armando: nós é que agradecemos sua simpatia, boa vontade e disponibilidade!  E, em meio a tanto amor pela profissão e dedicação aos seus pacientes, ainda sobra espaço para escrever... Dr. Armando revelou-nos ainda, que está compilando textos de sua autoria, escritos ao longo de todos esses anos, e pretende lançar um livro de crônicas, pensamentos e reflexões em breve.
Aguardaremos, ansiosos, essa publicação!

Nossa, já tradicional, foto de despedida: Profª. Claudia, Dr. Armando,
Dona Vera e Prof. Nilson. 

*Para outras fotos desse encontro, clique aqui!

domingo, 5 de junho de 2011

Uma viagem pelas décadas de 80 e 90: Queimados pela ótica de Denis Peixoto e João Batista

Denis Peixoto e João Batista relembram as décadas de 80
e 90 em Queimados.
Seguindo nosso caminho, descobrindo e desvelando histórias por entre casas, esquinas e bairros da cidade, nos encontramos com Denis Peixoto e João Batista.  Com trajetórias de vida convergentes, ambos relembraram, em uma conversa animada, os tempos de infância e adolescência no Centro Educacional Manoel Pereira.  Curiosas lembranças começaram a aflorar a partir de então e nos permitiram traçar o perfil vanguardista de nossos entrevistados.  João lembrou de um episódio que quase culminou com sua expulsão do colégio, pois decidira registrar seu protesto contra a onda inflacionária dos anos 80, na capa de um trabalho de  Matemática.  Em seguida, ambos lembraram um protesto de maior amplitude, que envolveu um considerável número de alunos do Centro Educacional Manoel Pereira, propagando-se para outros colégios da região.  Tendo ainda como base das reivindicações a inflação galopante que marcou boa parte da década de 80 no país, os alunos decidiram fazer uma greve, como forma de protesto contra os aumentos das mensalidades.
Paralamas do Sucesso,
em Queimados, nos anos 80.
 - arquivo Pérsia -
Passamos dos protestos estudantis à militância no PT, no período entre os anos 80 e 90 que, segundo eles, foi marcado por grande efervescência política e cultural em Queimados.  No contexto da redemocratização brasileira, foi nesse período também que foram sistematizados os movimentos em prol da emancipação de Queimados.  Durante a fala dos entrevistados, somos convidados a retornar a Queimados de fins do século passado onde, nos dizeres de João Batista, "respirava-se os ares de liberdade, com o fim da ditadura".  Mergulhamos e nos deixamos envolver por uma Queimados ainda bucólica, mas "antenada" na a dinâmica dos novos tempos, onde os shows e festas no Social Clube, no Queimados e no Guarany* reuniam os jovens da região, tornando-se um espaço de referência e exercício da sociabilidade.  Os entrevistados chegaram a lembrar que várias atrações musicais, no bojo do boom do Rock Nacional, como Paralamas do Sucesso, que "estouravam" nas rádios e programas de televisão da época, fizeram shows nos clubes locais.  Além das festas nos clubes, havia também sala de projeção, festas de rua, desfile de blocos carnavalescos... manifestações culturais que foram sendo engolfadas pela onda da modernidade, como nos permite perceber Denis, quando afirma que "apesar de todas as dificuldades, a falta de outras opções te levavam a participar de uma vida cultural..." O posicionamento de ambos perante essa questão nos leva a refletir sobre o chamado "paradoxo da modernidade", pois nesse caso, na medida em que os meios de comunicação nos aproxima com uma rapidez vertiginosa, também é responsável por um crescente individualismo, superando a necessidade do convívio social real.  Esse paradoxo reside também na crescente homogeneização da cultura regional, em prol de uma padronização cultural que se pretende universal.**
No segundo momento da entrevista, nossos entrevistados lembraram com carinho da criação da rádio comunitária Novos Rumos: a primeira rádio com esse estatuto no Brasil.  Denis relata ter feito parte do grupo que criou a rádio que, de acordo com suas palavras, tinha o objetivo de "tocar para os amigos, aquilo que a gente gosta, para falar aos amigos..." e admite que não imaginavam que a rádio teria tamanha repercussão.  Ambos destacaram o rápido alcance que a rádio Novos Rumos obteve dentro de Queimados, pois abria um canal de comunicação entre os moradores, abordando assuntos de interesse local.  Talvez por isso, mesmo com tantas tentativas de fechá-la definitivamente, alegando tratar-se de uma "rádio pirata" em um tempo em que tudo o que era diferente podia soar como "subversivo", a Novos Rumos tenha resistido bravamente!  Da rádio, João Batista e Denis relembraram ainda, os programas que fizeram grande sucesso, como o Underground, dedicado à música alternativa, e o Fina Flor, tocando músicas "bregas.Será que alguém se lembra de sua própria participação nesses programas?

Da esquerda para a direita: Denis, Prof. Nilson e João Batista: recordando
a criação da Rádio Novos Rumos.
Enfim: desse papo animado, repleto de saudades, ficamos com a sensação de que esses espaços de convivência e exercício político em Queimados estão, lamentavelmente, rareando.  Sinalizamos a necessidade de se pensar políticas que possam reverter esse quadro pois acreditamos que, mesmo com o advento da Modernidade, as raízes ou os fatores que agregam e estabelecem o sentimento identitário entre os indivíduos e o seu local de origem não podem ser postos de lado...


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*Dos três clubes citados, somente o Queimados resiste, embora não mais desempenhando o mesmo papel agregador.  Este fato já havia ficado patente na fala de Jair Borracha e José Cocão, em entrevista anterior e é, agora, reiterado por Denis e João Batista.  O Social Clube ficava em um local onde são guardadas ambulâncias, no Lazareto e o Guarany funcionava em frente à estação ferroviária: o prédio ainda está lá mas o clube não mais existe.   
**Essa discussão é trabalhada com propriedade em BERMAN, Marshall. "Tudo que é sólido, se desmancha no ar: a aventura da modernidade."